segunda-feira, março 29, 2004

Na escuridão vi uns olhos verdes,
verdes cristalinos aproximarem-se.
Depois, clareou o dia, imenso de luz.
E os olhos verdes desapareceram...
Mas... não os tinha visto eu?
O que foi que eu vi?

(Foi a transparência fugitiva de um mundo,
um outro mundo, que existe como nós,
suspenso, pairando. E de quando em vez
aparece-nos, como hoje a mim,
para que partamos a descobri-lo...)

Mas porque será que nunca ninguém
conseguiu descobri-lo?
Que nos falta a nós para ver de novo
aqueles olhos verdes voando dispersos?
Serão precisos óculos especiais,
uma lente super-potente?
O quê, pergunto eu...
Mas eu deito-me, tomo banhos de luar,
olhos as estrelas em cima; olho para nós,
em baixo...
Comovo-me com tudo isto
que se depara diante de mim...
e tenho esperança...
E de novo vêem os olhos verdes para mim,
sobrevoando-me, levando-me com eles.

E eu vou, infinitamente...
Não, não vás por aí!!
Volta para trás...
Quem te disse que era esse o caminho?
Quando te disse que podias escolher,
não era para ires por aí...
Não te ensinaram, por acaso,
que deves escolher sempre o caminho
por onde os outros vão?
Por que é que quiseste ir tu, sozinha, por aí?
Não vás que não podes?
Aqui todos vão por onde todos vão...
É assim... sempre foi, e será...
Os que tentaram, como tu,
não passaram daqui,
foram até onde os deixámos.
Aconteceu-lhes sempre qualquer coisa:
ou foram perseguidos,
ou eram doidos,
ou eram bruxas,
e feiticeiros, e marginais,
desregrados, animais...
Ou sofriam de doenças terminais,
ou foram assassinados,
e foram censurados...
E tudo porque, como tu, quiseram escolher este caminho,
de onde, hoje, te fui obrigado a expulsar...
A culpa não é minha, bem vês...
Uns dirão, a medo, em surdina:
"É o sistema..."
Outros dirão:
"Não chores... Volta para trás,
aceita, resigna-te, esquece.. há-de passar um dia..."
De qualquer modo, a tua palavra não será esquecida,
a TUA tentativa não será esquecida...
viverás aqui, entre todos aqueles que tentaram,
que esperam ainda que os outros (que seguiram, que aceitam)
se esqueçam deles,
para poderem tentar outra vez...

Não desistas,
escolhe o caminho, que eu fecho os olhos...
Liberta-nos...
"Sê feliz, sê feliz para ti...", disse ele, enquanto olhava pela janela, para o horizonte. No outro lado do quarto, ela, sentada na cama, num canto escuro, sentiu o eco das palavras viajar-lhe o pensamento.
E ali, separados, um na luz, o outro na escuridão, amaram-se profundamente, ligando-se num feixe de luz clara e faí­scante...
Despedida

Direi apenas ao despedir-me:
Adeus, até ao meu regresso...
Partirei enfim distante, sem destino,
para a encruzilhada do Nada,
para o encruzamento do Ser,
da imensidão infinita do interior de todos nós.
Partirei enfim, distante...
Quem ficar, ver-me-á afastando-me
para sempre, talvez, ou para voltar a correr,
chorando ao vento lágrimas pesadas.
Partirei sozinho: não preciso de ninguém ao pé.
Quero ir sozinho, sozinho.
Quero a aventura imaginária isolado de mim,
buscando aquilo que sou,
ou o que todos somos, indiferentes a todos,
retrospectivando as expressões superficiais,
nesses magníficos Dias Atlânticos.
Partirei, pois. Partirei sozinho
e direi apenas ao despedir-me:
Adeus, até ao meu regresso...
E que não seja breve o regresso...
Que fique em mim sempre a ânsia de viver,
a ânsia de procurar, de ver-me crescer.
Que fique em mim sempre o Desejo...
Esse desejo das noites de Inverno,
O simples Desejo, o simples desejar...

Mas não queria fazê-lo sozinho...
Eu quero desejar contigo,
a teu lado somente, contigo...

Mas não, não tenho coragem de te pedir.
Não i­as querer, não tu.
Eu não te amaria, desejar-te-ia apenas.
Por isso não te levo comigo: deixa-te ficar
Meu anjo... não, não te vou acordar..
Despeço-me de ti com um olhar,
um olhar basta... diz tudo.
Direi, pois, ao partir:
Adeus, até ao meu regresso.

revejo, relembro agora...
Percorro a memória com a própria memória.
Reconstruo um puzzle sem peças,
um muro sem pedras,
uma ponte sem pilares...
Mas afinal, que faço eu?
Não seremos todos
um puzzle sem peças,
um muro sem pedras,
uma ponte sem pilares?
Que é a existência do ser senão
um resumo do Nada?
O que é?

(Não... não tentes perceber,
não tentes... o que importa é esquecer.)

Esquece tudo, e recomeça.
Esquece tudo, e revive.
Esquece tudo, e verás.
Dirás, então, como eu, ao partir,
chorando as lágrimas pesadas
de que te falei:
"Adeus, até ao meu regresso..."
E assim é esquecer,
esquecer é partir, para sempre,
para o vazio do Ser,
para o vazio de Nós...