sexta-feira, junho 17, 2005

Uma noite pesada que nasce e se põe e se abate sobre o céu, uma a seguir à outra. Noite após noite, outra noite se abre, como um livro sem páginas e sem fim. De que cor se pinta, esta noite? De que se tinge? Cheira a mar, travo húmido de sal e algas... cobre-se de chuva ou de luz de estrelas e luar? Que sons canta, esta noite que é nossa e de todos, e de todos e de nenhum? Noite sempre houve, sempre houve luz, sempre houve sol, água sempre houve. Não. Noite começou quando um beijo não quis ser dado nem ao nascer, nem ao entardecer nem ao pôr do sol. Noite fez-se quando não se quis luz. Noite fez-se quando não se quis sol. Noite fez-se quando braços treparam por outros braços, lábios se colaram noutros lábios, coxas, pés entrelaçados, corpos nus, suados construíram noite quando vozes se calaram e no ar surgiram outros sons, mais breves, mais puros, ocos quase. Quase fogo, quase, um suspiro quase... Noite fez-se quando ombros queimaram a pele com a sede de outros ombros, noite fez-se quando montanhas de caracóis tombaram, como ondas descendo brancas em concha debruçando-se em precipício sobre o areal. Descansaram enfim, dormiram respirando um último som algures num peito aberto, exposto e esse mar indelével.

Noite fez-se. Fizeram-na beijos de sal, mãos que se enrolam e apertam corpos sem fim, só chama, só peito claro e branco e liso. Fizeram-na estes olhos, outros, todos, e nenhum... e os teus, no escuro de uma noite branca. Só canto e gelo. Noite fez-se para contornos de luz, para que horas, horas sem fim passassem por mim e por todos, e outra vez por nenhum. Noite é um rio, um rio que começa e canta e acaba, e volta a comerçar quando a noite começa. Noite é silêncio. Longamente. Noite são árvores. Árvores nuas, despidas de luz, são a noite, um corpo que se move no escuro, encontrando sempre outro corpo. Noite existe. Existem braços, existem lábios, existem pernas, "colunas gregas se anoitece", existem beijos, existe mar.

E existem os teus braços, os teus lábios, as tuas pernas, os teus beijos, o teu mar de ondas e de espuma. Existes. Noite existe. Para sempre.

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