sábado, novembro 05, 2005

Gostava de ficar alguns minutos a olhar o verde do céu, depois o azul, o cinzento, ver passar o vento quente, depois esse que vem frio, gostava de ver cair a chuva, depois olhar para uma gota que fazia parar no ar, suspensa, e dizer, Aqui estás tu, lá em baixo estou eu, e depois fazê-la cair no chão seco, como alguém que espera um beijo. Era nesses dias que gostava de se sentar, ver passar o fio do tempo recortado por essas palavras que dizias, soltas ou entrelaçadas, húmidas se tocavam os teus lábios, secas se vinham como um grito, mas sempre querendo ir buscar-te ao fundo desses dias onde gostavas de te sentar, sem nada que ouvisses, sem nada que visses ou quisesses ver, e levava-te por um abraço, mais ou menos apertado, mas sempre esses braços cingindo-te, resgatando-te. Gostavas de ficar alguns minutos a olhar o verde do céu, depois o azul, o cinzento, um dia destes acordaste e viste-o branco, no outro dia anoiteceu pintado de laranja-claro, e foi um sonho que tiveste, não sei e não sabes se por causa da cor do céu, se por causa dessa lua que te chamava. Sonhaste que ela vinha também, não a lua, mas uma voz que tinha uma boca, uma boca que tinha um rosto, rosto que tinha um cabelo e pescoço, um cabelo e pescoço que tinham ombros e peito onde cair, esses ombros de que falo e que tu queres e esse peito de que falo e tu queres tinham uma cintura, essa cintura, acaso os teus olhos desviam para lá o olhar (secretamente), não termina nunca, logo logo começam as pernas, sem que disso te apercebas, brancas de marfim, e essa voz que tinha um corpo era ela, era um corpo que tinha uma voz, uma música, um embalo onde te pudesses sentar e ver as cores do céu passar, não sozinho nem adormecido já, mas junto a esse corpo que tem uma voz, a essa voz que tem um corpo.

sexta-feira, novembro 04, 2005

Acordava atirada contra um céu vermelho, em sangue, e dizia, Este dia não foi hoje, como se o tempo, acordado no fim de um segundo, pudesse preferir as horas mortas de sol às horas de luz que se repetem ao anoitecer, como se estas lágrimas que choras hoje te dissessem e gritassem que estás aqui, que me queres, que não choras mais e engoles as lágrimas com os teus olhos antes que elas te caiam pela cara. Não foi hoje este dia, foi o que disseste, mas houve nesse suspiro, breve, uma quase-dor, um murmúrio mortiço que revelava um abraço, outros sons, maiores talvez, mais pequenos por certo, sem forma nem compasso, de certeza. Era o dia que nascia, repetiste, não repetiste, não sei já o que disseste, e foi como um dia que acabasse para mim, mais perto de ti, desse céu vermelho, de sangue já não sei, não me lembro. De encontro ao teu sorriso, sem hipótese de fugir, acabo por sorrir também, sem forçar os músculos, esses que fazem sorrir, e acabo por ficar, de certeza que não vou querer fugir, com os pés rentes aos teus pés, com o corpo rente ao teu corpo, minha boca rente à tua boca, o meu sol rente ao téu sol, a minha lua, a tua, a nossa. E esse vento que passa por ti e passa por mim vem em silêncio, está parado, dorme nas folhas das árvores, está no teu cabelo, andará por aí, não sabemos, não o ouvimos, vem dali, não sabemos nem saberemos nunca, vem daqui, vem de lá, talvez, mas vem em silêncio, não fala, não diz, mas espera, espera que falemos, espera que me digas, com os teus pés rentes aos meus pés, com o teu corpo rente ao meu corpo, com a tua boca rente à minha boca, o teu sol rente ao meu sol, e espera que eu diga, já disse com o quê rente a quê, o vento espera que digas e que eu diga, Volta para mim.